O espectador-gato de Schrödinger

O que esperar quando o espetáculo em cartaz é Tis Pity She's a Whore?
O que esperamos ver? O que realmente vemos? Ou melhor: o que nos resta depois de assistir?
A primeira apresentação desta noite no Théâtre de la Tempête me deixou um tanto contemplativo.
A exuberância da encenação e a contemplação da obscenidade não parecem totalmente fora de lugar.
Reconheço a importância histórica e a possível relevância de um teatro assim em contextos contemporâneos, mas esses aspectos, por si só, talvez não justifiquem sua permanência no repertório.

Ao refletir sobre outras montagens que abordam relações tabus, lembro da produção inventiva de Jérôme Savary para The Importance of Being Earnest, em 1996, no Théâtre National de Chaillot — onde o laço fraterno entre John Worthing e Algernon Moncrieff é revelado de forma leve, porém instigante.
Aquele espetáculo lidava com temas complexos com um toque de leveza, permitindo ao público se envolver sem se afogar em dilemas morais.

Em contraste, esta versão de Tis Pity She's a Whore nos confronta diretamente com a realidade incestuosa entre Annabella e Giovanni, estabelecendo desde o início um tom provocador.
A adaptação de Visconti, de 1961, com Romy Schneider e Alain Delon, apostava na beleza como elemento de fascínio, mesmo diante da perturbação temática — uma estratégia cara a certos mestres da cena que sabem usar o contraste para revelar verdades mais profundas.

Somos nós, espectadores, convocados a lidar com essa dualidade ao longo de toda a peça?
Seríamos como os gatos de Schrödinger, oscilando entre a admiração estética e o desconforto moral?
Essa tensão exige um envolvimento introspectivo com a experiência teatral, ecoando a ideia de Konstantin Sergueievitch de imergir o público no tecido temático da obra.

Se recursos cênicos como o disfarce ou a duplicidade, comuns no teatro barroco, brincam com as fronteiras entre o real e o onírico, esta montagem de Tis Pity She's a Whore nos empurra para um terreno onde o incômodo não está mais no palco, mas dentro de nossas próprias reações.
Giovanni, longe de ser condenado em cena, nos desafia a confrontar nossa própria bússola moral, em meio a imagens que ao mesmo tempo encantam e perturbam.

Assim, como espectadores, percorremos uma jornada sutil, oscilando entre o fascínio da performance e os dilemas éticos que ela suscita.
O que resta quando a cortina se fecha não é uma resposta clara, mas um espectro de emoções e reflexões — um convite a lidar com a complexa intersecção entre beleza, tabu e o poder duradouro da narrativa teatral.

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